terça-feira, 16 de outubro de 2012

MEMORIAIS

Memoriais

A OAB fugiu do trivial nos últimos dois Exames de Ordem. O relaxamento da prisão em flagrante, por exemplo, que caiu no VI unificado da FGV, não era nem sequer cogitado por aqueles que acompanham a prova há algum tempo. Em seguida, no VII, tivemos uma grande surpresa com a apelação do assistente de acusação. Por essa razão, é praticamente impossível prever qual será a próxima peça.

Entretanto, mesmo após as surpreendentes escolhas da FGV, ainda podemos falar em um rol de peças mais prováveis para a segunda fase – e, sem dúvida alguma, os memoriais estão nele. Digo isso porque, na maioria das peças, as teses são limitadas. Em uma resposta à acusação, não se pode falar em absolvição nos termos do art. 386 do CPP. Em um recurso em sentido estrito, a tese acaba engessada pelo motivo que ensejou o recurso. Em memoriais, por outro lado, é possível alegar tudo o que for favorável ao acusado.

Os memoriais foram incluídos no CPP pela Lei 11.719/08. Antes da alteração, as alegações finais eram oferecidas por escrito, no prazo de três dias (art. 500 do CPP, revogado). Atualmente, com a reforma, as alegações são oferecidas, em regra, oralmente, ao final da audiência. A mudança tem como objetivo tornar o processo mais célere. Excepcionalmente, todavia, o juiz abrirá prazo para que as partes as ofereçam por escrito, em memoriais, peça que estudaremos mais a fundo a seguir.

Momento processual, cabimento e fundamentação

Encerrada a audiência de instrução e julgamento, as partes devem oferecer, nos termos do art. 403, as alegações finais, oralmente. É a regra. No entanto, em algumas situações excepcionais, as alegações orais são inviáveis. Imagine, por exemplo, um processo com dez réus, ou com teses jurídicas complexas. Na primeira hipótese, a audiência seria interminável, pois as alegações poderiam se estender por horas. Na segunda, por outro lado, por ser o tempo exíguo, a defesa poderia ficar prejudicada. Para evitar qualquer prejuízo, o legislador incluiu o parágrafo terceiro ao art. 403, com a seguinte redação:

O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença.

Portanto, logo após a audiência de instrução e julgamento, em razão da complexidade do caso ou do grande número de réus, pode o juiz abrir prazo para que as partes ofereçam as alegações por escrito, em memoriais. O art. 403, § 3º, do CPP é a fundamentação legal dos memoriais.

Endereçamento e prazo

A peça deve ser endereçada ao juiz da vara em que o processo está tramitando. Portanto, a chance de erro é praticamente zero, pois o próprio enunciado do problema costuma trazer essa informação. O prazo é de cinco dias.

Teses de defesa

Como já comentado, é possível alegar, em memoriais, qualquer tese. Em relação ao procedimento do júri, há uma peculiaridade muito importante, que pode ser objeto de quesito em Exame de Ordem. Veremos, a seguir, em rol não taxativo, algumas das principais teses de defesa.

A absolvição sumária do art. 415

Para compreender a absolvição sumária do art. 415 do Código de Processo Penal, é preciso entender como funciona o trâmite do processo no rito do júri, que é composto por duas fases.

1ª Fase 

Recebida a denúncia, é aberto o prazo para a resposta à acusação, como ocorre no procedimento comum, mas com fundamento no art. 406 do CPP, e não no art. 396. Em seguida, ocorre a audiência de instrução e julgamento, e, ao final, obtêm-se a sentença. Até aí, nenhuma diferença em relação aos demais procedimentos. No entanto, no rito do júri, destinado ao julgamento de crimes dolosos contra a vida, a sentença que põe fim à primeira fase não pode ser condenatória. Se o juiz ficar convencido da materialidade e da autoria, deve encaminhar o processo ao Tribunal do Júri, onde o acusado será julgado. A decisão que entende pelo julgamento perante o Tribunal do Júri é denominada “sentença de pronúncia”. Contra ela, cabe recurso em sentido estrito (art. 581, IV). 

Em memoriais, no júri, o objetivo principal é evitar que o caso chegue até a segunda fase, que é o julgamento perante o Conselho de Sentença. Para que isso ocorra, três são as vias: 

a) demonstrar que não há, no processo, indícios suficientes de materialidade ou de autoria. Se convencido, o juiz impronunciará o réu, e o caso será afastado do julgamento perante o Tribunal do Júri;

b) desclassificar para outro crime, que não seja de competência do júri: por exemplo, de homicídio na forma tentada para lesão corporal. Se o pedido for acatado, o caso também é afastado do Tribunal do Júri;

c) absolver sumariamente, nos termos do art. 415: a absolvição sumária do art. 415 não se confunde com a do art. 397. Nesta, o pedido é feito em resposta à acusação; naquela, em memoriais. As teses absolutórias devem ser analisadas na segunda fase, pelo Conselho de Sentença. No entanto, excepcionalmente, pode o juiz da primeira fase absolver sumariamente o réu, desde que presente uma das hipóteses a seguir:

I – provada a inexistência do fato; 
II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato; 
III – o fato não constituir infração penal; 
IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. 

Importante frisar que, nas duas primeiras, é preciso PROVAR que o fato não existiu (materialidade), ou que o réu não participou ou não foi o autor do crime (autoria). Na dúvida, o acusado deve ser pronunciado, competindo ao Conselho de Sentença absolvê-lo ou não.

Por fim, o CPP veda, no art. 415, parágrafo único, a aplicação do inciso IV no caso de inimputabilidade – a denominada absolvição imprópria -, salvo quando esta for a única tese de defesa. A razão é simples: na absolvição imprópria, há imposição de medida de segurança. Caso o réu queira sustentar a sua inocência, que, se reconhecida, não gera qualquer medida em seu desfavor, a absolvição sumária por inimputabilidade acaba sendo prejudicial. Por isso, o inciso IV só poderá ser aplicado quando a inimputabilidade for a única tese defensiva.

2ª Fase

Se pronunciado, o réu deve ser submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, onde todas as teses defensivas poderão ser alegadas. Ao final, os jurados decidirão pela absolvição, pela condenação, pela desclassificação ou por outra tese trazida ao plenário.

A absolvição do art. 386

No júri, como já explicado acima, a absolvição pleiteada em memoriais deve ser fundamentada no art. 415. Nos demais casos, a fundamentação está prevista no art. 386, que tem a seguinte redação:

Art. 386.  O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

I - estar provada a inexistência do fato;

II - não haver prova da existência do fato;

III - não constituir o fato infração penal;

IV –  estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;

V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; 

VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;

VII – não existir prova suficiente para a condenação.

Inexistência do fato ou falta de prova da existência dele (incisos I e II)

No inciso I, está provado que o fato não existiu, o que gera efeitos na esfera cível, pois impede a reabertura da discussão em um novo processo. Na segunda hipótese, no entanto (inc. II), não há provas suficientes de existência, mas também não ficou comprovado que não existiu. Por isso, o assunto pode voltar a ser discutido judicialmente, exceto no âmbito criminal.

Não constituir o fato infração penal (inc. III)

Deve fundamentar a absolvição nas hipóteses de fato atípico.

Ausência de prova da participação/autoria do acusado ou prova de sua não participação/autoria (incisos IV e V)

Nos incisos I e II, ao tratar da materialidade, o legislador trouxe duas situações: em uma, há a certeza de que o fato não existiu; em outra, há dúvida, que deve prevalecer em favor do réu. Nos incisos IV e V, houve a repetição do posicionamento: no inciso IV, está provado que o réu não participou do crime. No inciso V, todavia, não há provas suficientes para demonstrar a sua participação ou autoria. Como já visto, a diferença entre a certeza e a dúvida influencia em outras esferas, a exemplo da cível, mas sempre deve ser analisada em benefício do réu.

Excludentes de ilicitude, de culpabilidade e causas de isenção ou dúvida sobre a sua existência inciso (VI)

A “dúvida” mencionada no dispositivo é sobre a existência ou não de causa excludente de ilicitude/culpabilidade. Se o juiz tiver dúvidas, por exemplo, sobre a legítima defesa, deve absolver o acusado. 

Quanto às hipóteses, não há dificuldade alguma em identificá-las, pois o próprio inciso as elenca: arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal.

Ausência de prova suficiente para a condenação (inc. VII)

Trata-se de cláusula genérica. Deverá ser utilizada de forma residual, quando a absolvição não se encaixar em nenhum dos outros incisos. 

Nulidades (art. 564)

Preliminarmente, é possível alegar a nulidade de algum dos atos do processo. Por exemplo, a ausência de resposta à acusação, que é indispensável. A nulidade não gera a absolvição, mas a anulação do ato viciado e de todos os posteriores.

Extinção da punibilidade (art. 107, CP)

Também como tese preliminar, é possível pedir a extinção da punibilidade caso esteja presente uma das situações previstas no art. 107 do Código Penal. A sentença que reconhece a extinção da punibilidade não é absolutória, mas declaratória. Portanto, não se deve pedir a absolvição por prescrição, ou por decadência, mas a declaração de sua ocorrência.

Afastamento de agravante ou aplicação de atenuante

As agravantes estão previstas no art. 61 do Código Penal. Em memoriais, se for o caso, deve ser pedido o seu afastamento. Da mesma forma, é possível pedir a aplicação de alguma das atenuantes, previstas no art. 65 do CP.

Afastamento de qualificadora ou de causa de aumento

A defesa não consiste em concentrar esforços somente na absolvição, mas em tudo o que for favorável ao acusado. Em alguns casos, aliás, por força do conjunto probatório, a absolvição nem sequer é possível. Por isso, é preciso estar alerta a todos os aspectos da acusação. Se o réu foi denunciado por roubo em concurso de pessoas (157, § 2º do CP), mas a situação é de roubo simples (157, “caput”), é necessário também pedir o afastamento da causa de aumento.

Para alguns profissionais, não se deve discutir os demais aspectos da acusação quando há tese absolutória. Não concordo. Nada impede que, em primeiro plano, seja alegada a tese de absolvição, e, subsidiariamente, a de afastamento de qualificadora, não existindo qualquer prejuízo à defesa. No modelo de peça, ao final, demonstrarei na prática como isso pode ser feito.

Aplicação da pena no mínimo legal

O artigo 59 do CP trata sobre a dosimetria da pena. Em memoriais, é possível alegar que as condições previstas no artigo são favoráveis ao acusado (os antecedentes, por exemplo).

Concessão de benefício previsto em lei

Também é possível pedir, em antecipação, algum benefício a que o réu faça jus em caso de condenação, a exemplo da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito (art. 44 do CP), do “sursis” (art. 77) e da aplicação de regime mais brando do que o fechado.

Modelo de peça

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA … VARA CRIMINAL DA COMARCA …




Nome …, já qualificado nos autos do processo criminal, por seu advogado, que esta subscreve, vem, perante Vossa Excelência, dentro do prazo legal, apresentar MEMORIAIS, com fundamento no art. 403, § 3º, do Código de Processo Penal, pelas razões a seguir expostas:

I. DOS FATOS

O réu foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 157, § 2º, I, do Código Penal, haja vista que, no dia … de … de 2012, teria subtraído, mediante grave ameaça, com o emprego de arma de brinquedo, o telefone celular do Sr. ….

Por essa razão, o Ministério Público ofereceu denúncia em seu desfavor, conforme fls. … /..., recebida no dia … de ….

Citado por edital, o acusado só tomou ciência do processo já na véspera da audiência de instrução e julgamento.

Em audiência, a vítima alegou não ter certeza que o acusado é o autor do crime.

II. DO DIREITO

Entrementes, a respeitável peça acusatória não merece prosperar, haja vista que, além da causa de nulidade a seguir exposta, não há provas suficientes de que foi o réu o autor do crime.

a) preliminar de nulidade

Segundo o art. 366 do Código de Processo Penal, no caso de citação por edital, não comparecendo o acusado, ou não constituindo advogado, deve ser o processo suspenso. No presente caso, no entanto, Vossa Excelência deu continuidade ao processo, não dando ao réu a oportunidade de oferecer, nem sequer, a resposta à acusação, nos termos do art. 396 do Código de Processo Penal. Destarte, deve o processo ser anulado desde a citação, com fulcro no art. 564, III, “e” do Código de Processo Penal.

b) do mérito

Ademais, não há provas suficientes para apontar a autoria do acusado. Em audiência, a vítima disse  não ter certeza de que ele é o autor do roubo, não existindo, portanto, qualquer prova em seu desfavor, sendo imperiosa a sua absolvição.

c) da causa de aumento

Ainda que o acusado fosse o autor do crime, não poderia ser aplicada a causa de aumento prevista no artigo 157, § 2º, I do Código Penal, pois a arma utilizada no crime não passava de mero simulacro, e, conforme uníssono entendimento jurisprudencial, nesses casos, o crime é o de roubo simples (157, “caput”).

III. DO PEDIDO

Diante do exposto, o réu requer que Vossa Excelência reconheça a nulidade do processo desde a citação, com fulcro no art. 564, III, “e” do Código de Processo Penal. Subsidiariamente, requer a sua absolvição, com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal. Por derradeiro, caso Vossa Excelência entenda pela condenação, requer o afastamento da causa de aumento prevista no art. 157, § 2º, I do Código Penal.

Pede deferimento.

Comarca …, data ….

Advogado ….




a) a divisão em peça de interposição e peça de razões, em alguns recursos, é pelo seguinte: a interposição é endereçada ao juiz que proferiu a sentença. Esse recurso, no entanto, não será julgado por ele, mas por uma instância superior. Para ela, endereçamos as razões. Portanto, se você estiver diante de um recurso a ser julgado por instância superior (ex.: TJ), faça a divisão da peça em interposição e razões. Se, no entanto, o pedido for julgado pelo próprio juiz, a peça é única (ex.: resposta à acusação, memoriais, embargos de declaração etc);

b) o endereçamento idêntico parte da própria lógica processual. Visualize: logo após a citação do réu, temos o prazo para a resposta à acusação, endereçada ao juiz da causa. Se não houver óbice à continuação do processo, esse mesmo juiz designará a audiência, que por ele será presidida. Se, ao término dela, o julgador abrir prazo para memoriais, ele próprio os apreciará.

Note que não é preciso decorar a estrutura. Na verdade, é importante que o examinando tenha em mente o processo como um todo, com atos e fatos interligados, e não um monte de “peças soltas”, sem conexão entre elas. Ademais, se você estiver treinando as peças, dificilmente terá alguma dificuldade com a estrutura.

Aproveitando a oportunidade, vamos à nossa peça de hoje: os memoriais.

Geralmente, em audiência, as alegações finais acabam sendo orais. É a regra. Para não passar aperto em audiência, é interessante que o advogado, durante a sua realização, esboce as alegações – no notebook ou em uma folha de papel -, para que, ao final, possa ditar tudo o que for útil à defesa, sem que nada seja deixado de lado. Além disso, um roteiro do que falar pode ajudar a espantar o nervosismo.

Em algumas situações, entretanto, é inviável fazer as alegações finais oralmente. Imagine duas situações:

1ª Um processo com 10 acusados, cada um com um advogado. Seria bem complicado colher as alegações de todos eles, né?

2ª Um processo extremamente complexo, com diversas teses de defesa. Também não seria adequado sustentar a defesa oralmente, ainda na audiência.

Para esses casos, o juiz pode, ao final da audiência, abrir prazo para que as partes ofereçam, por escrito, as alegações finais. São os chamados memoriais. Veja o que o CPP diz sobre o tema:

Art. 403, 3º: O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença.

Para a defesa, os memoriais são obrigatórios? Sim! Se o juiz sentenciar sem que eles tenham sido oferecidos, teremos hipótese de nulidade absoluta.
Ademais, como já comentei, a peça deve ser endereçada ao juízo em que o processo está tramitando. No Exame de Ordem, sem dúvida alguma, haverá essa informação (ex.: 1ª Vara Criminal).

Outro ponto interessante é o prazo. Desde os tempos do CESPE, a OAB tem pedido para que a peça seja endereçada no último dia de prazo. Por ser prazo processual, devemos ignorar o primeiro dia e incluir o último. Ex.: se o prazo iniciou no dia 12, o seu término será no dia 17. Contudo, para testar a habilidade do examinando em utilizar o calendário, o CESPE costumava fazer pegadinhas com o dia da semana em que o prazo terminava, coisa que a FGV também gosta de fazer. Veja o exemplo:

A defesa teve vista dos autos em 12/7/2010 (extraído do Exame de Ordem 2010.1)

O prazo final deveria cair no dia 17. No entanto, o dia 17 de julho de 2010 caiu em um sábado, e, por isso, o último dia foi transferido para o dia 19. Esta era a resposta.

“Poxa, então preciso decorar o calendário?”

Não! Na prova, a FGV só poderá fazer esse tipo de pegadinha em duas hipóteses: a) se utilizar uma data próxima à prova (ex.: 10 de julho de 2012), fazendo com que seja viável ao examinando, em breve raciocínio, concluir em qual dia da semana a data caiu. Para tanto, o enunciado deverá dizer, expressamente, que a situação ocorreu em 2012, pois é vedado criar dados – se falar somente “12 de julho”, não poderá ser exigido que o examinando presuma que o fato ocorreu em 2012; b) se informar em qual dia da semana caiu a data. Ex.: “no dia 12 de julho, segunda-feira”.

A fundamentação da peça será o art. 403, 3º, do CPP.

E quais são as teses possíveis? Depende! No júri, como veremos ao final, há pedidos bem específicos, que não cabem em outros procedimentos. Primeiramente, vejamos os casos diversos ao júri:

a) Falta de justa causa para a ação penal: são as hipóteses do art. 386 do CPP:

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I - estar provada a inexistência do fato; II - não haver prova da existência do fato; III - não constituir o fato infração penal; IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; VII – não existir prova suficiente para a condenação.

Se, no problema, ocorrer uma das hipóteses acima, peça a absolvição. Como o problema costuma trazer muitas teses de defesa, pode ser que mais de uma das situações acima esteja presente (ex.: legítima defesa + provas insuficientes para a condenação).

Nunca, em hipótese alguma, peça a absolvição sumária, do art. 397, em memoriais.

Além disso, a falta de justa causa pode estar caracterizada por causa extintiva da punibilidade, nos termos do art. 107 do CP (ex. prescrição).

Se caírem os memoriais, tenha certeza: terá algum pedido de absolvição com base no art. 386. Vasculhe o problema em busca de legítima defesa, estado de necessidade, atipicidade, falta de provas ou outra das hipóteses acima.

Note que não é necessário decorar nada! Até mesmo na hipótese do inciso VI, o CPP diz onde buscar a tese. Esse legislador é bacana mesmo, né?

b) Falta de justa causa por punição excessiva: é a hipótese em que nosso cliente não pode ser absolvido, mas que a capitulação a ele imputada não é justa. Se, na prova, cair uma tese de absolvição e outra de punição excessiva, peça, primeiramente, aquela, e, subsidiariamente, esta. Pedir a absolvição e, em seguida, pedir o afastamento de uma qualificadora, não demonstra que estamos confessando o crime. Só estamos pedindo que, se o juiz não entender pela inocência, ao menos aplique a pena justa.

Como pode cair na prova: 1. Desclassificação para um crime mais leve (ex.: de lesão corporal grave para leve); 2. Exclusão de qualificadora; 3. Exclusão de causa de aumento de pena; 4. Exclusão de agravante; 5. Reconhecimento de atenuante; 6. Reconhecimento de privilégio ou causa de diminuição de pena.

“Leonardo, mas como acho isso?”

É moleza!

Na primeira hipótese, desclassificação, veja o que CP (ou a legislação especial) fala sobre o crime. Se houver outro crime, mais leve, que melhor se amolde à conduta do agente, peça a desclassificação. Ex.: o réu foi denunciado pela prática da lesão corporal grave (art. 129, § 1º, CP). Contudo, no problema, há a informação de que a vítima ficou apenas 15 dias incapacitada para as ocupações habituais, e não 30, como fala a lei. Não se trata, portanto, de lesão corporal grave, mas leve. Basta a leitura do dispositivo apontado pelo MP. Vejamos as demais:

A exclusão de qualificadora: no art. 155, § 4º, temos algumas situações em que o furto é qualificado. No inciso I, o CP fala que é qualificado o furto se houver destruição ou rompimento de obstáculo. Entretanto, na audiência, descobre-se que não houve arrombamento, pois a vítima havia esquecido a sua casa aberta. Logo, a qualificadora deve ser afastada, né? Novamente, basta a leitura do dispositivo.

A exclusão de causa de aumento: no art. 157, § 2º, o CP traz algumas hipóteses em que a pena do crime de roubo é aumentada. No inciso I, fala-se em emprego de arma (que não precisa ser de fogo – pode ser, por exemplo, uma faca). Se, durante a audiência, ficar demonstrado que a arma utilizada era de brinquedo, deve ser afastada a causa de aumento (entendimento majoritário). A leitura do dispositivo também mata a questão.

Exclusão de agravante: as agravantes estão no art. 61 do CP. Da mesma forma, basta a leitura do artigo.

Reconhecimento de atenuante: as atenuantes estão previstas no art. 65 do CP. Se alguma for compatível com o problema, não deixe de pedir.

Reconhecimento de privilégio ou causa de diminuição de pena: estão previstas em lei, e estão sempre localizadas no mesmo capítulo em que o crime está previsto. Um exemplo? Artigo 155, § 2º, do CPP. Quando for estudar um crime, sempre leia o artigo todo, com todos os seus incisos, alíneas e parágrafos, bem como as suas disposições gerais, no final do capítulo.

c) Nulidades processuais: também podem ser pedidas em memoriais. As nulidades estão previstas no art. 564 do CPP, e devem ser alegadas preliminarmente – antes do mérito, onde falamos em absolvição ou punição excessiva.

d) Autoridade arbitrária: por último, também podemos pedir a concessão de determinados benefícios, que poderão ser cabíveis em caso de condenação. Ex.: pedir para que a pena seja fixada no mínimo, a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito ou que o regime seja mais brando, entre outros. Acho, sinceramente, injusto esse tipo de pedido em Exame de Ordem. Em uma prova passada, a OAB incluiu o seguinte pedido no gabarito (não com essas palavras!): requerer para que o juiz, ao fixar a pena, parta do mínimo legal. Mas, como o que nós queremos é a carteirinha, vamos pedir tudo!

Por fim, vamos falar do júri.

No procedimento do júri, as teses são as seguintes:

a) Nulidade: já estudamos acima;

b) Extinção da punibilidade: se presente uma das hipóteses do art. 107 do CP;

c) Falta de justa causa, nos termos do art. 415: falarei mais ao final;

d) Falta de justa causa por falta de prova: enseja a impronúncia;

e) Punição excessiva: pode ser que o criminoso tenha praticado crime mais leve ou que a imputação que lhe é feita não esteja correta. Também já falamos sobre o tema: é o caso em que cometeu crime menos grave, ou que não esteja presente alguma qualificadora, por exemplo.

No júri, temos hipóteses de absolvição sumária. Como a primeira fase é um julgamento prévio, anterior ao Tribunal do Júri, a absolvição, nesse momento do processo, é considerada sumária, pois afasta o caso do julgamento pelos jurados. No entanto, a fundamentação não está prevista no art. 397 do CPP, mas no 415:

Art. 415.  O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:
I – provada a inexistência do fato;
II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;
III – o fato não constituir infração penal;
IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

E a impronúncia? Bom, se a pronúncia remete o julgamento ao plenário, a impronúncia faz exatamente o contrário: não remete. Quando não houver provas suficientes para a pronúncia, o juiz deverá, de plano, impronunciar o acusado – mas não absolvê-lo, pois ausentes as hipóteses do art. 415.
 


Carlito, de 20 anos, foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 157, § 2º, I e III, do CP, pois subtraiu, mediante grave ameaça, a quantia de R$ 10 mil reais que estava em poder da vítima José, motoboy da empresa Valores S.A. Iniciada a audiência de instrução e julgamento, Carlito foi o primeiro a ser ouvido, e confessou a prática do crime. No entanto, afirmou desconhecer o fato de a vítima estar transportando a vultosa quantia. Logo em seguida, foi ouvida a vítima, José, que reconheceu o acusado, e relatou estar, no momento do roubo – que ocorreu mediante o emprego de arma de fogo -, transportando até o Banco Dinheiro a quantia pertencente à empresa Valores S.A., para que fosse depositada. Afirmou ainda que, quando o acusado tomou-lhe a mochila onde estava o dinheiro, apenas questionou se havia um celular em seu interior, sem fazer qualquer menção aos R$ 10 mil, pois possivelmente desconhecia a existência do dinheiro. Submetido o revólver utilizado no crime à perícia, ficou comprovado um defeito que impossibilita o seu uso. O Ministério Público, em alegações por escrito, pediu a condenação de Carlito nos termos da denúncia. Como advogado, elabore a peça adequada ao caso.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ... VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ....

Processo n.:...,

CARLITO, já qualificado nos autos do processo criminal em epígrafe, vem à presença de Vossa Excelência, dentro do prazo legal, por intermédio do seu advogado (procuração anexada), apresentar MEMORIAIS, com fulcro no artigo 403, § 3º, do Código de Processo Penal, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:

I. DOS FATOS

Segundo a denúncia, no dia ..., o acusado subtraiu, mediante o emprego de arma de fogo, a mochila pertencente à vítima, José, que transportava, naquele momento, a quantia de R$ 10 mil pertencentes à empresa em que trabalha.

Recebida a denúncia, e apresentada, dentro do prazo legal, resposta à acusação, foi designada e realizada audiência de instrução e julgamento, em que o réu foi o primeiro a ser ouvido.

Naquela oportunidade, o acusado confessou o crime, mas afirmou desconhecer o fato de a vítima estar transportando a quantia pertencente à pessoa jurídica Valores S.A.

A vítima, ouvida em seguida, afirmou que o acusado, aparentemente, desconhecia a existência da quantia, visto que somente fez referência à existência ou não de um telefone celular no interior da mochila.

A arma do crime, um revólver calibre 38, segundo a perícia de fls. .../..., é inócua, pois possui um defeito que impossibilita o seu uso.

O Ministério Público, em memoriais, requereu a condenação de Carlito nos termos da denúncia, pela prática do crime previsto no artigo 157, § 2º, I e III, do Código Penal.

II. DO DIREITO

Entretanto, como veremos a seguir, o entendimento do Parquet não encontra respaldo legal, não sendo possível, portanto, a condenação do acusado nos termos da denúncia.

a) Preliminar – Nulidade

De acordo com o artigo 400 do Código de Processo Penal, a audiência de instrução e julgamento deve seguir a seguinte ordem, sob pena de nulidade:

“Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado”.

No presente caso, como já relatado anteriormente, ocorreu a inversão dos atos, tendo ocorrido, primeiramente, o interrogatório do acusado, e só após foi ouvida a vítima.

Portanto, nos termos do artigo 564, IV, do Código de Processo Penal, a audiência de instrução e julgamento é nula, devendo ser novamente realizada.

b) Da Inexistência das Causas de Aumento

Em relação à causa de aumento referente à vítima que “está em serviço de transporte de valores”, é importante ressaltar que o réu desconhecia a situação, como relatou em seu interrogatório.

A vítima, no mesmo sentido, afirmou que o réu demonstrou desconhecer a existência da quantia roubada – em verdade, o interesse maior do réu era, aparentemente, a subtração de um telefone celular.

Segundo o artigo 157, § 2º, III, do Código Penal, é necessário que o agente saiba que a vítima está, no momento do crime, realizando o transporte de valores – a subtração do bem transportado, destarte, deve ser o objetivo do delito. Contudo, no caso em debate, não se verifica tal situação.

Quanto à causa de aumento do uso de arma, prevista no artigo 157, § 2º, I, do Código Penal, o seu afastamento se faz necessário, visto que o laudo de potencial lesivo provou a sua inépcia para o disparo de projéteis.

Destarte, as duas causas de aumento não podem prosperar, visto que, no caso em julgamento, não encontram embasamento legal para serem aplicadas. Ademais, a audiência foi realizada em desconformidade com os ditames legais, sendo imperiosa a declaração de sua nulidade.

“Ex positis”, requer seja declarada a nulidade do processo desde o interrogatório do acusado, realizado em inversão à ordem determinada pela legislação, com fulcro no artigo 564, IV, do Código de Processo Penal.

Subsidiariamente, caso Vossa Excelência entenda de forma diversa, requer o afastamento de ambas as causas de aumento de pena, haja vista a sua inocorrência, bem como a aplicação das atenuantes da confissão espontânea e da menoridade relativa, com base no artigo 65, incisos I e II, “d”, do Código Penal.

Nos termos acima, pede deferimento.

Comarca, data.

Advogado,

OAB/... n. ....

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