Liberdade Provisória
Além
da possibilidade de relaxamento da prisão em flagrante e de sua
conversão em prisão preventiva, pode o magistrado, de ofício, conceder
liberdade provisória, desde que ausentes os requisitos da prisão
preventiva (arts. 310 e 312 do CPP).
No
entanto, nada impede que o sujeito que está preso peça, por petição
endereçada ao juiz competente, a sua concessão, para que aguarde o
julgamento em liberdade. Portanto, com base no art. 310 do CPP, três são
as opções após o flagrante, sendo que duas são interessantes ao preso:
1ª
A conversão da prisão: presente um dos requisitos da preventiva (art.
312), pode o juiz converter a prisão em flagrante em prisão preventiva,
devendo o preso, neste caso, permanecer recolhido. Cabe HC contra a
decisão, endereçado à instância superior (TJ, se a decisão partiu de
juiz estadual de primeira instância). Por não ser benéfica ao preso, não
existe interesse para que seja por ele pedida.
2ª O relaxamento: sendo a prisão ILEGAL,
deve ser a prisão imediatamente relaxada. O pedido de reconhecimento
da ilegalidade pode ser feito em petição endereçada ao juiz competente,
intitulada “relaxamento da prisão em flagrante”. Se a ilegalidade partir
de juiz, cabe HC endereçado à instância superior. Como o que se discute
é a ilegalidade da prisão em flagrante, não há motivo para adentrar nos
requisitos da preventiva (art. 312), como ocorre na liberdade
provisória.
3ª A concessão de liberdade provisória: nesta hipótese, a prisão em flagrante ocorreu dentro da LEGALIDADE.
Entretanto, não estão presentes os requisitos para a conversão em
prisão preventiva, devendo o sujeito aguardar o julgamento em liberdade.
O pedido deve ser fundamentado com base na ausência de requisitos da
prisão preventiva – ou seja, deve o advogado demonstrar, em sua petição,
que nenhuma das hipóteses do art. 312 está presente.
Dessa
forma, percebe-se que os pedidos de relaxamento e de liberdade
provisória não se confundem. Enquanto este serve para a discussão da
ausência dos requisitos da preventiva, aquele tem como base a
ilegalidade da prisão em flagrante. Veremos, a seguir, as peculiaridades
que envolvem a liberdade provisória.
Sobre a prisão preventiva
A
condição de inocente só deixa de existir após o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória. Por essa razão, a privação da liberdade
durante o processo é medida excepcional, que deve ocorrer somente em
situações específicas. Como regra, o acusado deve aguardar o julgamento
solto, e se, eventualmente, vier a ser condenado, aí sim a prisão poderá
ser imposta, mas como pena.
No caso da prisão preventiva, o CPP traz, em rol taxativo, as hipóteses em que é justificável: a)
para assegurar a ordem pública e a ordem econômica; b) por conveniência
da instrução criminal; c) para assegurar a aplicação da lei penal; d)
quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de
autoria; e) quando não forem inadequadas ou suficientes as medidas
cautelares alternativas à prisão (art. 310, II); f) quando descumpridas
as medidas cautelares (312, parágrafo único).
Importante
observar que a prisão cautelar deve ter um objetivo útil (por exemplo,
assegurar a ordem pública). Por ser anterior ao trânsito em julgado da
sentença condenatória, não pode ser adotada como punição ao acusado,
como ocorre com a prisão decorrente de imposição de pena. Não existindo
um dos requisitos previstos no art. 312, a prisão preventiva não pode
ocorrer.
A
imposição de prisão preventiva não influencia na formação da culpa.
Pode o juiz, durante o processo, decretá-la como garantia da ordem
pública, mas, ao final, absolver o acusado, sem qualquer prejuízo.
Ademais,
os requisitos da prisão preventiva podem surgir ou deixar de existir a
qualquer momento. Se um acusado responde ao processo em liberdade, mas
passa a pôr em risco a ordem econômica, o juiz pode decretar a prisão
preventiva. Da mesma forma, se, inicialmente, existia um dos requisitos,
e este deixou de existir, a juiz deve revogá-la. No entanto, a peça
intitulada liberdade provisória deve ser utilizada somente na hipótese
de prisão em flagrante. Se, durante o processo, o requisito que ensejou
a prisão deixar de existir, a peça adequada é a revogação da prisão
preventiva, e não a liberdade provisória.
Por fim, o art. 313 traz as situações em que a prisão preventiva é cabível. O dispositivo foi introduzido pela Lei 12.403/11.
Vedação à liberdade provisória
Antes
do trânsito em julgado da sentença condenatória, ninguém pode ser
preso, salvo em hipóteses específicas, em que a prisão é adotada para
que se busque determinado fim prático ao processo ou à sociedade, e não
como punição, como ocorre no cumprimento de pena.
Compete
ao juiz analisar a presença ou não dos requisitos autorizadores da
prisão cautelar. Imagine a seguinte situação: uma pessoa é presa com 1kg
de cocaína. Além da grande quantidade, fica demonstrado que, se
colocada em liberdade, ela continuará vendendo drogas. Neste caso,
justificável a prisão cautelar sem que exista a condenação criminal, nos
termos do art. 312, pois a liberdade do acusado pode gerar ainda mais
prejuízos à sociedade.
Por
outro lado, imagine que um sujeito é preso em flagrante com cinco
cigarros de maconha em seu bolso. Na delegacia, as informações são
contraditórias – enquanto algumas testemunhas dizem se tratar de
traficante, outras afirmam que é mero usuário. O preso em flagrante
possui residência fixa, trabalha e não existe qualquer evidência de que
um dos requisitos da preventiva está presente. Com base nisso, nada mais
justo que aguarde o julgamento em liberdade, pois não há qualquer
motivo para que a sua prisão seja mantida. Se, futuramente, ficar
demonstrado que é traficante, cumprirá sua pena. Caso contrário, será
absolvido e permanecerá solto.
No
entanto, o legislador pátrio, no art. 44 da Lei 11.343/06, vedou a
concessão de liberdade provisória aos acusados de tráfico de drogas,
pouco importando se presentes ou não os requisitos da prisão preventiva.
Ainda que não exista um objetivo prático para a prisão, o acusado deve
permanecer preso, em inegável violação ao princípio da presunção de
inocência ou de não culpabilidade.
A
vedação à liberdade provisória está presente em outros dispositivos
legais, a exemplo do art. 21 da Lei 10.826/03, declarado
inconstitucional pelo STF: Insusceptibilidade de liberdade provisória
quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18.
Inconstitucionalidade reconhecida,visto que o texto magno não autoriza a
prisão ex lege, em face dos princípios da presunção de inocência e da
obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade
judiciária competente (ADI 3.112/DF).
Nos
crimes de lavagem de capitais, a concessão de liberdade provisória
também era vedada (art. 3º da Lei 9.613/98). Todavia, no dia 09 de julho
de 2012, entrou em vigor a Lei 12.683, que revogou o dispositivo.
Medidas cautelares
Para
reforçar o entendimento de que a prisão anterior à condenação é medida
excepcional, foram incluídas no CPP, no ano de 2011, as medidas
cautelares diversas do encarceramento (art. 319). São elas: a)
comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo
juiz, para informar e justificar atividades; b) proibição de acesso ou
frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias
relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante
desses locais para evitar o risco de novas infrações; c) proibição de
manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias
relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer
distante; d) proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência
seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; e)
recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o
investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; f) suspensão
do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou
financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática
de infrações penais; g) internação provisória do acusado nas hipóteses
de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos
concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e
houver risco de reiteração; h) fiança, nas infrações que a admitem,
para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução
do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem
judicial; i) monitoração eletrônica.
Segundo
o art. 310, II, a conversão da prisão em flagrante em preventiva
ocorrerá somente quando insuficientes ou inadequadas as medidas
cautelares alternativas. Portanto, a prisão passou a ser aplicável
alternativa e subsidiariamente à medida cautelar, quando esta não
alcançar o objetivo desejável.
O
pedido de aplicação de medida cautelar diversa da prisão pode ser
pedida na petição de liberdade provisória. Caso o beneficiado pela
medida cautelar deixar de cumpri-la, pode o juiz decretar a preventiva,
com fundamento no art. 312, parágrafo único, do CPP.
Fiança
As
hipóteses de vedação de fiança estão previstas no artigo 323 CPP. Isso
não significa, no entanto, que as situações lá previstas não são
passíveis de liberdade provisória. A vedação incide somente sobre o
arbitramento de fiança, que, em crimes considerados mais graves, a
exemplo do racismo, é proibido. A redação do art. 323 é praticamente a
transcrição das hipóteses de inafiançabilidade previstas na CF. Ademais,
o art. 324 traz outras situações em que a fiança não pode ser
concedida.
Nos
crimes cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a
quatro anos, a fiança poderá ser arbitrada pela autoridade policial. Em
todos os demais casos, a concessão de fiança deverá ser requerida ao
juiz competente.
Sendo
o crime for afiançável, a liberdade provisória será "com fiança", com
pedido de arbitramento. Caso contrário, não deve ser pedida a concessão
de fiança, pois vedada, como ocorre, por exemplo, no caso de crime
hediondo.
Portanto,
a liberdade provisória pode ser requerida, em petição endereçada ao
juiz competente, quando ausentes os requisitos da prisão preventiva.
Será cabível somente nos casos de prisão em flagrante, ocorrida dentro
da legalidade – se ilegal, a peça adequada é o relaxamento. Se a prisão
for decretada ao longo do processo, a sua revogação poderá ser requerida
em pedido de revogação da prisão preventiva, ou, até mesmo, em HC.
A prisão domiciliar
Para encerrarmos o assunto, importante transcrever o art. 318 do CPP, que traz as hipóteses de prisão domiciliar: Art.
318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar
quando o agente for: I - maior de 80 (oitenta) anos; II - extremamente
debilitado por motivo de doença grave; III
- imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis)
anos de idade ou com deficiência; IV - gestante a partir do 7o (sétimo)
mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
Neste
caso, não se trata de medida cautelar diversa da prisão, como aquelas
previstas no art. 319. A prisão domiciliar é cabível quando a prisão
preventiva oferecer grave risco à pessoa – imaginem um homem de 85 anos
recolhido em um presídio, aguardando o julgamento. Não se trata, é
claro, de autorização para a prática de delitos. Contudo, não há
cabimento em impôr à pessoa, em situação de extrema fragilidade, medida
capaz de causar-lhe, até mesmo, a morte.
Modelo de liberdade provisória
Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da … Vara Criminal da Comarca …
Observações:
1ª
O uso do “doutor”: não obstante a minha imensa admiração pela
magistratura, não me agrada a redação “senhor doutor”, pois acho que a
expressão empobrece o texto. No entanto, fiquem à vontade para
utilizá-lo. Tanto em prova quanto na prática, a ausência ou a presença
do termo não influenciam em nada.
2ª
Atenção ao endereçamento: se o crime for doloso contra a vida, “Juiz de
Direito da … Vara do Júri”. Se de competência da Justiça Federal, o
endereçamento deve ser, evidentemente, para a JF.
3ª
Identificação: muito cuidado em provas! Se o problema não mencionar a
Comarca, não a invente, sob pena de ter a prova anulada por
identificação.
Nome,
nacionalidade, estado civil, profissão, residente em endereço, vem à
presença de Vossa Excelência, por seu advogado (procuração anexada), com
fundamento nos artigos 5º LXVI, da Constituição Federal e 321 do Código
de Processo Penal, requerer a CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA SEM
FIANÇA, pelas razões a seguir:
Observações:
1ª
Não invente dados! Se o enunciado não mencionar o nome do requerente ou
demais dados, não os invente (ex.: “Fulano”), pois a sua prova pode ser
anulada.
2ª Atenção à fundamentação!
I. DOS FATOS
No dia …, o requerente foi preso em flagrante por supostamente estuprar a adolescente …, de 14 anos de idade.
No
entanto, não estão presentes os requisitos da prisão preventiva, visto
que possui residência fixa, trabalha e que não há qualquer risco de
ofensa ao que está previsto no art. 312 do CPP.
Observação:
não perca muito tempo ao relatar os fatos. Basta um breve resumo. O
motivo é simples: a banca não atribui pontos ao tópico.
II. DO DIREITO
Por
essa razão, a liberdade provisória é a medida que se faz necessária,
visto que ausentes os requisitos ensejadores da prisão preventiva,
conforme art. 312 do CPP.
Como
já relatado, o requerente possui residência fixa, trabalha e não há
qualquer indício de que ponha em risco a ordem pública, a ordem
econômica ou a persecução penal. Ademais, não há indícios suficientes de
autoria para a decretação de sua prisão.
Observação:
seja bem direto em suas razões. Diga expressamente a tese e faça menção
ao dispositivo legal que a fundamenta. No caso do Exame de Ordem, a
correção é uma verdadeira caça às palavras: se o que está no gabarito
estiver na prova, a pontuação será dada.
III. DO PEDIDO
Diante
do exposto, requer seja concedida a liberdade provisória ao requerente,
bem como seja expedido o respectivo alvará de soltura.
Observação:
o pedido é a consequência lógica da exposição de razões no tópico “dos
fatos”. Se demonstrado que os requisitos da prisão preventiva estão
ausentes, o pedido deve ser a concessão de liberdade provisória (ou a
revogação da prisão preventiva, conforme distinção feita acima). Sempre
que o pedido tiver como objetivo a soltura, deve ser pedida a expedição
de alvará de soltura.
Pede deferimento.
Comarca …, data ….
Advogado.
Observação: nunca mencione o seu nome ou invente a Comarca, sob pena de anulação da prova.
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