A
estrutura da apelação, em si, é simples – interposição e razões, como
qualquer recurso (exceto embargos de declaração). No entanto, em seu
corpo, a peça pode suportar uma infinidade de teses. Seguindo o exemplo
acima, no relaxamento, só há uma coisa a ser alegada, que é a
ilegalidade da prisão. Em apelação, por outro lado, é possível que a
peça tenha teses de nulidade, de falta de justa causa, de extinção da
punibilidade etc, todas em conjunto, em um mesmo caso.
Por
isso, ao estudar a apelação, o que realmente importa é saber
identificar as teses. Com essa ideia em mente, veremos, neste módulo,
diversas teses de defesa, bem como os respectivos pedidos. A estrutura
do recurso será mera coadjuvante.
Prazo
O
prazo para a interposição da apelação é de cinco dias. A contagem deve
ser feita na forma do art. 798 do CPP – exclui-se o primeiro dia e
inclui-se o último (se a ciência se deu no dia 05, o primeiro dia a ser
contado será o seguinte, 06). Também é importante ressaltar a aplicação
do enunciado n. 310, da Súmula do STF, que traz a regra no caso de
início de prazo em uma sexta-feira.
O
prazo para o oferecimento de razões é de oito dias. Ao contrário do
processo civil, em que a interposição e as razões devem ser apresentadas
na mesma oportunidade, no processo penal, as peças podem ser entregues
em momentos distintos. Por isso, há dois prazos: cinco dias para a
interposição; oito para as razões, contados da intimação.
Endereçamento
A interposição deve ser dirigida ao juiz que proferiu a sentença, enquanto as razões devem ser endereçadas ao tribunal.
Fundamentação
A
apelação está prevista nos artigos 593 e 416, ambos do CPP, e 76, § 5º,
e 82, da Lei 9.099/95. No artigo 593, I, temos a apelação em caso de
sentença condenatória ou absolutória. No inciso II, temos as decisões
que, embora não condenem ou absolvam, são definitivas. Entretanto,
atenção: para que a apelação seja cabível, não deve existir previsão de
RESE (ex.: sentença de pronúncia – art. 581, IV).
No
inciso III, o CPP traz as situações de apelação contra as sentenças do
Tribunal do Júri, proferidas ao final do julgamento em plenário. Vejamos
as hipóteses:
Alínea
“a”: nulidade posterior à sentença de pronúncia. Na primeira fase do
rito do júri, eventuais nulidades devem ser arguidas em RESE, no momento
da pronúncia, sob pena de preclusão, salvo no caso de nulidade
absoluta, que pode ser discutida a qualquer tempo. Após a pronúncia,
existindo nulidade, a sua discussão deve ocorrer em apelação, com fulcro
no art. 593, III, “a”. No pedido, em respeito à soberania dos
veredictos, deve ser pedido um novo julgamento.
Alínea
“b”: sentença do juiz presidente contrária à lei expressa ou à decisão
dos jurados. Após a decisão dos jurados, compete ao juiz proferir a
sentença, nos termos do veredicto. Caso o faça em contrariedade a ele
(ex.: os jurados absolvem, mas o juiz condena) ou à lei, deve a sentença
ser reformada. Note que, nesta hipótese de apelação, não se discute a
decisão dos jurados, mas o erro do juiz. Por isso, a sentença pode ser
reformada pelo tribunal, sem qualquer ofensa à soberania dos veredictos,
pois a decisão dos jurados permanecerá imutável, não sendo o caso de
novo julgamento.
Alínea
“c”: erro ou injustiça na aplicação da pena ou da medida de segurança.
Também se trata de hipótese em que não se discute a decisão dos jurados,
mas o teor da sentença proferida pelo juiz presidente. Exemplo de
situação passível de apelação: pena fixada muito acima do mínimo legal,
quando todas as circunstâncias são favoráveis ao condenado. Como não tem
por objeto a reforma do veredicto, deve ser pedida ao tribunal a
correção da decisão, para que seja aplicada a adequada pena ou medida de
segurança.
Alínea
“d”: decisão manifestamente contrária às provas dos autos. Aqui,
discute-se o veredicto. Por mais que a decisão dos jurados seja
soberana, aberrações jurídicas não podem prosperar. Imagine que, em
determinado caso, todas as provas apontem para a inocência do acusado.
Os jurados, no entanto, influenciados pela opinião pública ou por outro
motivo, decidem pela condenação. Obviamente, a sentença condenatória não
poderá ser mantida. Contudo, não pode o tribunal reformar a decisão,
pois estaria afrontando o que está previsto no art. 5º, XXXVIII, “c”, da
CF/88. Por isso, na apelação, o pedido deve ser o de realização de novo
julgamento.
No
rito sumaríssimo, a apelação está prevista no art. 82 da Lei 9.099/95, e
o prazo é de dez dias. As razões devem ser apresentadas no momento da
interposição. A apelação do art. 76, § 5º, é cabível contra a sentença
que aplica a transação penal.
Teses e pedidos
Para facilitar o aprendizado, veremos, a seguir, as teses de defesa, divididas em tópicos.
1ª
Tese e pedido: nulidade: as nulidades estão previstas no art. 564 do
Código de Processo Penal. Se o enunciado trouxer alguma, alegue-a
preliminarmente, antes mesmo de tratar sobre a absolvição. O pedido deve
ser a declaração de nulidade do processo desde o ato viciado (se a
nulidade ocorreu no recebimento, a anulação deve ser “ab initio”).
2ª
Tese e pedido: extinção da punibilidade: as hipóteses estão previstas
no art. 107 do Código Penal. Também é tese preliminar, devendo ser
alegada antes da falta de justa causa. O pedido é a declaração de
extinção de punibilidade.
3ª
Tese e pedido: falta de justa causa: impõe a absolvição do apelante. As
hipóteses são aquelas do artigo 386 do CPP. Em um tópico passado,
fizemos uma breve análise de cada um dos incisos, como se vê em
transcrição a seguir:
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
I - estar provada a inexistência do fato;
II - não haver prova da existência do fato;
A
dúvida aqui é em relação à materialidade: o crime existiu ou não
existiu? Não havendo prova de sua existência, ou havendo prova
inequívoca de que ele não ocorreu, a absolvição deverá ser imposta. Ex.:
"A" é acusado por lesão corporal. No entanto, não se constatou na
vítima, "B", em exame de corpo de delito, qualquer lesão.
III - não constituir o fato infração penal;
Fato atípico. Ex.: crime impossível (art. 17 do CP).
IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
Aqui,
a dúvida não é quanto à materialidade - o crime existiu, de fato -, mas
quanto à autoria ou participação, que pode se dar por ausência de prova
ou por negativa de autoria comprovada pelo réu. Ex.: "A" , "B" e "C"
estão sendo acusados pela prática, em concurso de pessoas, do crime de
roubo. "C", no entanto, demonstra que não estava na cidade na época em
que o crime foi cometido.
VI
– existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena
(arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou
mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;
Presentes
as hipóteses de exclusão de ilicitude ou de culpabilidade, ou existindo
causa de isenção de pena, o acusado deverá ser absolvido. Em razão do
final do dispositivo, se o juiz tiver dúvida sobre a existência de uma
das causas, deverá absolver.
VII – não existir prova suficiente para a condenação.
O
último inciso é genérico. Nos anteriores, temos previsão expressa em
relação à negativa de materialidade, de autoria, de coautoria ou
participação, de existência de hipóteses que excluem a ilicitude e a
culpabilidade e isentam o réu de pena. Provavelmente, em um pedido de
absolvição, a sua tese encontrará amparo entre os incisos I e VI. Caso
contrário, adote o VII, que, em suma, quer dizer: in dubio pro reo.
4ª
Tese e pedido: autoridade arbitrária: algum direito foi negado ao réu
na sentença. É o caso, por exemplo, de negativa de sursis. Não há
qualquer incompatibilidade com as outras teses – é possível pedir a
absolvição e, subsidiariamente, caso o tribunal não entenda nesse
sentido, a concessão do direito.
5ª
Tese e pedido: punição excessiva: é o caso em que o juiz impõe ao réu
pena desproporcional. Deve-se pedir a redução da pena ou a
desclassificação para outro crime. Assim como no caso da autoridade
arbitrária, não há qualquer incompatibilidade com as demais teses,
devendo ser pedida subsidiariamente, se for o caso.
A apelação no júri
Na
primeira fase do procedimento do júri, a apelação é cabível somente nos
casos de absolvição sumária e de impronúncia (art. 416 do CPP). Na
segunda fase, a apelação está prevista no art. 593, III, do CPP, já
estudado acima.
Recurso em sentido estrito x Apelação
Como
já comentado, a apelação é cabível de forma residual, quando não houver
previsão legal de RESE para a situação. No art. 593, II, o CPP deixa
isso bem claro. No entanto, sendo a sentença absolutória ou
condenatória, deve a apelação prevalecer, ainda que exista previsão de
RESE (art. 593, § 4º). Exemplo: no art. 581, XI, o CPP trata da decisão
em que o sursis é negado, recorrível por recurso em sentido estrito. No
entanto, caso o sursis tenha sido negado em sentença condenatória, a
peça cabível é a apelação, por força do § 4º do art. 593, e não o RESE.
Modelo de apelação
1ª Peça: interposição.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA … VARA CRIMINAL DA COMARCA …
Observação: exemplos de endereçamento:
a) “Exmo. Sr. Juiz de Direito do Juizados Especial Criminal da Comarca ...”;
b) “Exmo. Sr. Juiz Federal da … Vara Criminal da Justiça Federal da Seção Judiciária ...”;
c) “Exmo. Sr. Juiz Presidente do … Tribunal do Júri da Comarca ...”.
Nome,
já qualificado nos autos do processo criminal n., por seu advogado, que
esta subscreve, vem, perante Vossa Excelência, com fundamento no art.
593, I, do Código de Processo Penal, interpor APELAÇÃO.
Observação: atenção à fundamentação!
Requer seja recebida, processada e encaminhada a apelação, com as razões, ao Egrégio Tribunal de Justiça.
Observação: em apelação, não cabe juízo de retratação – há hipóteses no processo civil, mas não interessam aos nossos estudos.
Pede deferimento.
Comarca, data.
Advogado.
2ª Peça: razões.
Razões de Apelação
Apelante: nome.
Apelada: Justiça Pública.
Processo n.: ….
Egrégio Tribunal de Justiça,
Colenda Câmara,
Douto Procurador de Justiça,
Observação: na Justiça Federal, substitua “Câmara” por “Turma”, e “Procurador de Justiça” por “Procurador da República”.
Em
que pese o inegável saber jurídico do Meritíssimo Juiz de Direito da …
Vara Criminal, a respeitável sentença condenatória não merece prosperar,
pelas razões a seguir expostas:
I. DOS FATOS
O
apelante foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 155,
“caput”, do Código Penal, pois teria subtraído, no dia …, a carteira do
Sr. ….
Durante
a instrução, apenas a vítima afirmou ser o apelante o autor do crime,
enquanto as testemunhas foram unânimes em dizer que se tratava de outra
pessoa.
Entrementes,
mesmo diante da escassez de provas, o Meritíssimo Juiz o condenou pela
prática do crime, com base somente nas informações prestadas pela
vítima.
II. DO DIREITO
Portanto, inegável que a condenação foi injusta, pois contrariou as provas produzidas durante a instrução.
Segundo
a testemunha …, que estava presente no momento do ocorrido, o apelante
não é o autor do crime, informação corroborada por …, também testemunha.
A vítima, no entanto, reconheceu-o como sendo o autor, em contrariedade a todas as demais pessoas que presenciaram o crime.
Destarte,
considerando que a única prova desfavorável é a declaração da vítima,
que está em contradição com as declarações de todos os demais, a
absolvição do apelante é imperiosa.
Observação:
o modelo está bem básico, devendo ser utilizado apenas para conhecer a
estrutura da apelação. Em caso de existência de teses preliminares, é
interessante fazer a divisão em tópicos, para que a sua peça fique
melhor organizada (ex.: I. Preliminares; II. Falta de justa causa etc).
III. DO PEDIDO
Diante
do exposto, requer seja conhecido e provido o recurso de apelação, para
que se absolva o acusado, com fundamento no art. 386, VII, do Código de
Processo Penal. Requer, ademais, a expedição de alvará de soltura em
seu favor.
Observação:
para cada tese, um pedido. Se alguma nulidade for discutida, peça a
anulação. Se a tese for a extinção da punibilidade, a sua declaração.
Além disso, atenção à situação do recorrente: se preso, peça a expedição
de alvará, quando cabível.
Pede deferimento.
Comarca, data.
Advogado.
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